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Nas últimas décadas, inovações tecnológicas reconfiguraram o mercado de trabalho em escala global. Em resposta aos novos desafios que as empresas enfrentam, surgiram ocupações e áreas que, até então, não existiam. Além disso, enquanto alguns postos de trabalho foram paulatinamente sendo substituídos por tecnologias, outras atividades passaram a ser mais valorizadas. A inteligência de mercado está neste segundo grupo.
Para discutir os principais desafios que permeiam esse mercado e o perfil ideal do profissional de MI na era dos dados, entrevistamos a gerente de consultoria da Cortex, Patricia Romancini.
Confira abaixo a entrevista.
Cortex – Quais são os grandes desafios que se colocam para os profissionais de inteligência de mercado nos dias de hoje?
Patrícia Romancini – Depende da formação original, de como esses profissionais se formam no mercado. Para os que têm origem técnica, o desafio é falar a língua de negócios. Ter uma visão up to date de data storytelling, de como se constrói uma história baseada em dados. Não adianta trazer análises sem que elas tenham um contexto, sem estar considerando a jornada do cliente, a persona, para quem os painéis e gráficos estão sendo entregues. Sem isso, esse profissional se perde. Agora, se ele já possui essa expertise, o desafio é como conciliar com a parte técnica mais profunda. Nesse caso é necessário entender de cubo, de data analysis. Mas geralmente, essa questão fica mais centrada nos profissionais técnicos, que devem se contextualizar com visão do mundo de negócios.
Cortex – Quais são as especificidades desse mercado de trabalho?
Patricia Romancini – É um nicho de mercado em que, por não haver uma formação acadêmica mais abrangente, encontrar profissionais especializados é raro. É um perfil escasso, mas muito versátil. São pessoas que conseguem transitar entre indústrias diferentes, entre B2C e B2B. Até porque os bons profissionais estruturam as áreas de inteligência dentro da empresa, e quando o ciclo já está rodando, saem para estruturar em outra. Além disso, eles acabam se tornando formadores de times, especializando outras pessoas nessa área. Eu recomendaria às pessoas procurarem esse mercado. Claro, desde que tenham disposição para se aperfeiçoar e desenvolver habilidades técnicas, sendo um bom interlocutor de negócios e com visão de data storytelling.
Cortex – Diante desse contexto de rotatividade que mencionou, como reter bons profissionais nas empresas?
Patricia Romancini – Os bons profissionais de inteligência são movidos a desafios. A própria geração Z tem esse perfil. Os ciclos na geração Z são mais curtos. Não são pessoas que tendem a permanecer dez anos na mesma empresa. Exceto se essa organização tiver IM em diferentes áreas, para poderem transitar entre elas. E isso é bacana pois o profissional que fez o job rotation entendeu de várias áreas e, ao mesmo tempo, vai crescendo na estrutura até chegar ao C-level. Esse é o melhor caminho para reter esses talentos.
Cortex – Quais são as novas habilidades esperadas de um profissional de IM?
Patricia Romancini – Aquele profissional que conheci em 2002, quando comecei a carreira na área de inteligência, já naquela época estava ficando fora do contexto de negócios. Era um perfil que tinha dificuldade de falar entre áreas. Hoje, a IM exige um profissional multidisciplinar, com visão de negócio e de forma estratégica. Ele precisa ter versatilidade, e ser data driven. Senão, não se sustentará. Além disso, não adianta ele reter a informação consigo. Só se gera inteligência de forma coletiva, disseminando as informações dentro da organização de forma eficiente.
Cortex – Como a era dos dados afeta o trabalho do profissional de inteligência de mercado?
Patricia Romancini – O profissional que souber lidar com situações complexas, tirar insights dos dados e torná-los simples vai se destacar nesse novo contexto. Ele precisa estar baseado em planos de ação concretos, e ser capaz de transformar a complexidade de dados em uma visão mais objetiva. A era dos dados selecionou os bons profissionais, que sabem ler os dados e entendem de boas ferramentas. Antes eram considerados bons os que tinham acesso aos dados, depois os que tinham acesso à informação, e hoje são os que transformam informação em inteligência. Esses são capazes de rodar todo o ciclo, desde a coleta da informação, até sua projeção para o futuro, entendendo como isso se dissemina dentro da organização. Aliás, divulgar a informação é muito importante. Elas têm que ser de fácil acesso para todos.
Cortex – Já que citou a questão da disseminação, como os profissionais de IM podem garantir que as informações chegarão às diferentes áreas?
Patricia Romancini – É uma questão cultural. Primeiro deve haver uma rotina de gestão que permita isso. E, acima de tudo, tem que existir vontade. Culturas organizacionais saudáveis permitem e incentivam o compartilhamento das informações, e isso precisa ser algo coletivo. Todos devem se apropriar desse mindset. Sinais de alerta, alarmes, mailings, mobile, todas essas ferramentas são absolutamente ricas e necessárias. E é algo para dar mais visibilidade à área de IM. As empresas que não caminham nessa direção tendem a ficar para trás.
Cortex – Como você vê a evolução das áreas de inteligência de mercado nos últimos anos?
Patricia Romancini – Trabalho com IM desde 2002. De lá pra cá, foram muitas mudanças. Não havia formação para essa função. Já trabalhei com analistas de inteligência que eram engenheiros, geógrafos, economistas, administradores. O que importa é muito mais o perfil. É um profissional com equilíbrio entre visão de negócios e alta capacidade analítica, capaz de ser um interlocutor com a área técnica. Um time de inteligência de mercado precisa de pessoas que conversem com os times de suporte e de engenharia, e tenham, ao mesmo tempo, uma visão de negócios avançada. Essa é a realidade hoje. No passado, esse profissional era formado de acordo com as necessidades de cada área. Hoje em dia já existe formação específica para a área. Eu comecei a carreira em consultoria, e os clientes buscavam nosso serviço porque não tinham IM dentro das suas empresas. Essas áreas foram sendo configuradas a partir dos anos 2000. A consultoria nem sempre avança e traz questões de negócio com tanta profundidade. Em várias organizações víamos formação de uma área de IM, mas ainda como departamento centralizado. Atualmente ela se descentralizou. Nas grandes companhias hoje, a inteligência de mercado está dentro de áreas comerciais, de supply chain, de times de expansão de negócios, de franquia, de varejo. Vemos a IM dentro dos times de comunicação, marketing, dentre outros.
Cortex – Nesse sentido, como fica a estruturação da IM hoje dentro das empresas?
Patricia Romancini – A configuração da IM dentro das empresas vai depender do seu nível de maturidade na análise de dados. Em algumas ainda funciona como hub, com clientes internos. Já em outras, as áreas de negócio passaram a ter uma demanda tão grande que têm um profissional alocado só para realizar esse trabalho. Então agora ele está nos mais diferentes departamentos, que passam a consumir análises por si só. Mas essa estruturação também tem a ver com o quão estratégica a IM é dentro de cada organização.
Cortex – E por que houve essa mudança no sentido da descentralização?
Patricia Romancini – Antes, a inteligência de mercado era composta de um profissional solitário, ligado diretamente ao CEO. Isso era bom e ruim. Bom porque ele era muito estratégico, mas ruim porque como funcionário sozinho não tinha braço para atender a todos os processos. Ele atendia demandas pontuais, e apagava “incêndios”. Só que cada vez mais a inteligência vira processo dentro das empresas. Não são demandas ad hoc, são processos de trabalho profundos e elaborados. O executivo não quer uma foto do desempenho das áreas. Não adianta ter um retrato do mercado. É preciso saber quais são os próximos movimentos. O executivo quer um filme. Isso significa que ele deseja ver dashboards com rotinas semanais ou mensais de análise. E para fazer essa entrega, é preciso integração de dados. Essa é a evolução que o mercado exige hoje.
Cortex – E a geração Z, que mudanças ela está trazendo para o mercado de trabalho de IM?
Patricia Romancini – Eu vejo na geração Z profissionais bastante proativos e acelerados. É uma geração omnichannel, nascida na era digital. A geração Z é totalmente data driven. Para eles tudo são dados. Até mesmo quando falamos de mídia e redes sociais. Eles estão acostumados a analisar número de curtidas, likes e seguidores. É a geração que transita melhor nesse cenário. Por outro lado, talvez haja uma necessidade de que esses novos profissionais se planejem e mapeiem os ciclos, para enxergarem para onde estão indo. Para onde a empresa e o mercado querem chegar. E assim entendam qual plano de ação está tentando se construir. Em resumo, é preciso demandar deles uma visão mais estratégica.
Cortex – Você acredita num crescimento da demanda por profissionais data-driven?
Patricia Romancini – Na verdade, sempre houve essa necessidade. O profissional que não está sendo direcionado para entender a jornada de seus clientes internos, considerando stakeholders e fornecedores, e que não constrói histórias baseadas em dados tende a desaparecer. Isso porque, como consequência, não vai conseguir ser um bom interlocutor dentro das empresas. É o profissional que entregava gráficos soltos, empilhados, e chamava de dashboard. Agora ele é um interlocutor e precisa resolver problemas. O executivo ou o gestor não quer mais gráficos soltos. Por isso é tão importante entender a dor do cliente e os planos de ação a serem tomados a partir dos dados que estão sendo entregues. A grande vantagem competitiva é ser data-driven. Mesmo em uma área como como comunicação, não adianta falar de sentimentos e exposição de marca sem falar em dados. Tudo tem que estar baseado em dados.
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