Sociedade fragmentada: como o uso de algoritmos influencia a formação da opinião pública
Ao mesmo tempo em que o surgimento de novas ferramentas digitais de mídia abriram espaços de livre expressão e socialização dos indivíduos, o uso de algoritmos, sob o pretexto de personalização e oferta de conteúdos mais adequados aos gostos de cada usuário, criou uma fragmentação de audiências nas esferas públicas de rede, popularmente conhecidas como bolhas ideológicas.
Por servirem como plataformas de engajamento e, na maioria das vezes, como fontes primárias de acesso a informações, as plataformas digitais exercem uma influência direta sobre a formação do imaginário coletivo e a construção da opinião pública.
O diretor de inovação e evangelismo da Cortex, Cláudio Bruno, é especialista em análise de mídias e foi o responsável pela criação do algoritmo que mapeia menções a marcas e personalidades dentro dessas bolhas digitais. Na entrevista que você acompanha a seguir, ele fala sobre como a indústria do algoritmo modela o comportamento das pessoas e, consequentemente, traz impactos para a reputação de marcas e personalidades.
O que é a indústria do algoritmo?
O algoritmo por si só é uma mídia que faz a mediação das relações entre as pessoas. Quando falamos em “indústria de algoritmo”, significa que as empresas, sejam elas de produtos, serviços ou de mídia, utilizam estes modelos matemáticos como uma forma de compreender o perfil de consumo das pessoas. Um aplicativo de delivery de alimentos, por exemplo, utiliza algoritmos para compreender seu comportamento de consumo e, assim, oferecer aquelas opções que você tem mais probabilidade de adquirir. Isso também vale para empresas de varejo, que também utilizam algoritmos para oferecer produtos que você provavelmente vai gostar, de acordo com seu comportamento em compras anteriores.
Como essa tecnologia modela a cultura contemporânea e o comportamento das pessoas?
Isso acontece porque você começa a ter uma interface de mundo que é modelada de acordo com seus gostos e vieses pessoais, ou seja, com uma seletividade de informações criada de acordo com o que você gosta. Assim, as pessoas começam a consumir produtos, serviços e informação a partir do que os algoritmos oferecem para elas.
Quais são os efeitos deste fenômeno?
Existem três efeitos principais. Um deles é a seletividade da informação. As pessoas passam a ter acesso a uma interface de mundo excludente, moldada para seus gostos e vieses pessoais e que constantemente reforça aquilo que você gosta para que você consuma mais. Isso vale para feeds de notícias, redes sociais ou produtos e serviços. Essa seletividade tem como consequência o surgimento de esferas públicas de rede, que criam, para quem está dentro delas, uma falsa sensação de consenso. E, por fim, isso gera uma radicalização de ideias e opiniões que são extremamente prejudiciais para a sociedade como um todo, pois torna mais difícil para as pessoas aceitarem posicionamentos diferentes daqueles com os quais elas estão acostumadas a ver serem reforçados em suas bolhas.
Falando especificamente sobre as bolhas de influência, é possível identificar dentro delas lideranças com capacidade de influenciar a opinião de um determinado grupo?
Existe uma teoria chamada “two step flow of communication”, de 1946, que fala sobre a importância do líder de opinião na comunidade para traduzir as ideias da mídia de massa para as pessoas. Hoje, com as mídias sociais, o poder de influência destes líderes é potencializado e eles passam a ter uma relevância muito maior na formação da opinião do público. O líder de opinião é o “filtro” das bolhas, ou seja, ele é quem filtra e traduz para a audiência destas esferas públicas as informações que estão sendo expostas nas mídias de massa.
Esse ecossistema acaba “deslocando” a relevância da imprensa na formatação de como a sociedade pensa. A importância da imprensa não deixa de existir, mas ela é “deslocada” e quem passa a ter mais relevância é o formador de opinião. Compreender isso é fundamental para mapear e compreender os processos e efeitos das bolhas, porque as pessoas estão cada vez mais consumindo informação por meio destes líderes de opinião, que podem ser pessoas, empresas, veículos de imprensa, etc.
Do ponto de vista da comunicação e da reputação de marca, como é possível lidar com este fenômeno?
Essa sociedade “algoritmizada” precisa ser analisada de forma diferente de como a gente analisava a sociedade que era impactada apenas pelos veículos de comunicação de massa. Eu não posso mais olhar para o impacto de uma marca ou assunto como se fosse algo homogêneo.
Por causa dos algoritmos e das redes sociais, existem grupos de opinião (bolhas) com percepções muito diferentes sobre cada assunto, então é importante que as empresas comecem a olhar o impacto da marca ou de cada assunto por perfil de audiência. Isso significa que, em vez de avaliar a reputação na mídia de forma geral, agora é preciso analisar recortes entre grupos que têm uma visão de mundo e percepção diferentes. Por exemplo: como está a reputação da marca entre as pessoas das bolhas progressistas (esquerda) e como está a reputação da marca entre as pessoas das bolhas conservadoras (direita)?
Principalmente quando se trata de temas mais sensíveis, é fundamental entender que público se quer atingir e como estas pessoas pensam. Em casos de crise, por exemplo, antes era mais simples, porque a gente sabia que ela vinha dos veículos de imprensa. Hoje a empresa pode estar “apanhando” em uma bolha específica que não está sendo mapeada e quando descobrir, pode ser tarde demais.